Um dia comum
Era um dia comum e Paulo
voltava para casa depois de mais uma jornada de trabalho. Quarta-feira, 18h30min,
início da noite. Nada mais comum que a volta para casa numa quarta-feira sem
grandes acontecimentos.
Paulo procurava na memória
algum fato marcante, uma imagem, um diálogo, qualquer coisa que pudesse fazer
daquela quarta-feira comum um dia diferente. Nem bom, nem ruim; diferente já
bastava. Sabia que quando chegasse em casa, sua esposa estaria lhe esperando
com um belo sorriso e com aqueles seus braços acolhedores. Sabia também que
entre a sua chegada e a hora de dormir, ela lhe contaria as histórias do seu
dia e lhe perguntaria o que aconteceu no dele. E ela sempre tinha histórias
para contar; algum novo conhecido, alguma discussão, alguma coisa que viu na
rua. Já ele muitas vezes se saia da obrigação de ter algo interessante para
contar dizendo que teve um dia comum, nada de novo. No fundo, gostava da idéia
de ter alguém para quem contar o seu dia. No fundo. Mas Paulo não era homem de
deixar as coisas do fundo aflorarem no contato com as pessoas. Nem ao menos
para a sua esposa, mesmo que a tivesse por ela um amor verdadeiro. Paulo era
mesmo um homem do raso. Olhar-se a fundo ou observar o lado de fora a fundo era
coisa que exigia muito esforço. As coisas do raso são bem eficazes se bem
utilizadas. Com um pouco de timidez e silêncio proposital conseguia até se
passar por profundo. Mas, no fundo, sabia que não o era.
O ônibus avançava pelas
ruas, o tempo contando no relógio, pessoas passando, o povo de sempre ouvindo
pagode e forró no celular, o aperto do horário de pico, as discussões, gente
que reclama, gente que empurra, gente que se esfrega. Nada do ônibus seria boa
história pra contar a Ana, mas como queria conversar, dizer novidade! Repassava
o dia mentalmente: cafezinho na copa conversando amenidades; e-mails lidos e
respondidos; almoço solitário (ia almoçar antes ou depois de todo mundo, não
gostava de conversas na hora de comer); uma olhadela de relance naquelas
nádegas avantajadas da estagiária no corredor; piadinhas infames com os
colegas, pra aliviar o estresse (era adepto do lema “a gente se fode, mas se
diverte”); bons modos na despedida e a espera ansiosa pelo ônibus. Que dizer a
Ana sobre esse dia? Nem parecia tê-lo vivido hoje, de tão manjado. Hoje, como
ontem, como quarta passada, como as quartas do mês passado. Hoje poderia ter
sido anos atrás e nem faria diferença, nem talvez fará amanhã ou quarta que
vem. Quando foi que tudo ficou assim, tão monótono?
Paulo sentia agora o
enorme vazio em que tinha transformado sua vida. E enquanto pensava nessas
coisas, o ônibus se aproximou do seu ponto e já era hora de levantar. Então,
mais uma vez, ele se resignou com a sua mesmice.
Desceu do ônibus e no
caminho para casa, pensou que amanhã poderia tentar de novo, mas hoje não
pensaria mais nisso. Pensar só tinha causado era aquele desconforto e agora do
que ele precisava era banho, jantar, TV e descanso. Ouviria as histórias de Ana
com aquele desconforto no peito, mas logo esqueceria o desconforto, as
histórias, o dia, pois, afinal, era dia de futebol na TV.
Amanhã tudo seria diferente.
Ou quem sabe na outra quarta-feira. Ou ano que vem...
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