BEDA #3 - Em pleno século XXI
É sem
dúvidas inadmissível que algumas coisas aconteçam ainda hoje,
apesar de todo conhecimento acumulado acerca de nós mesmos e do
mundo onde vivemos, o que, pelo menos em tese, deveria nos
transformar em seres mais civilizados. Em vez disso, abominações
como racismo, machismo, xenofobia, intolerância religiosa, enfim,
toda essa variedade de discriminações e preconceitos ainda
subsistem com força nesse início de século.
Eu estou
de plano acordo com todos que esbravejam contra essas atrocidades,
abismados que elas existam ainda hoje. Apesar disso, cansei de ver em
fóruns e debates pela internet gente usando como argumento a
expressão “em pleno século XXI”, como se estar “em pleno
século XXI” fosse condição única para sermos os melhores seres
humanos de toda história. Cansei mesmo. Porque não faz o menor
sentido para quem tem um mínimo de conhecimento de história.
Esse
discurso deriva, acredito, de uma interpretação equivocada da
teoria da evolução de Darwin, segundo a qual tudo segue num
progresso contínuo, da forma mais bruta e primitiva para uma mais
aperfeiçoada. Não é bem assim! Eu não sou biólogo e não entendo
as especificidades da teoria da evolução, mas pelo pouco que li,
entendo que pela seleção natural, os seres mais adaptados às
condições ambientais em determinado período é que sobrevivem.
Embora alguns possam desenvolver nesse processo algumas habilidades
especiais de camuflagem ou de reserva de água e nutrientes, em
alguns casos, o ser vivo pode sobreviver por ser o menor de sua
espécie, ou o que mais resiste a doenças, por exemplo, mesmo sem
ser necessariamente o maior e mais temido. Muita gente ignora, por
exemplo, que o vira-latas é a raça canina mais evoluída, por assim
dizer, já que sobrevive muito bem mesmo sem receber todos os cuidados que os
seus parentes de pedigree que frequentam os petshops recebem.
Voltando
ao tema do texto, depois desse longo desvio, quero deixar claro uma
coisa: o simples fato de estarmos no século XXI não quer dizer nada
a nosso respeito. Não quer dizer que porque chegamos aqui, com todo
o conhecimento e cultura acumulados, somos ou deveríamos ser
melhores que os nossos antepassados. Quem somos, faz parte de todo um
processo histórico que nos trouxe até aqui, e ele não é composto
de um progresso civilizatório linear e contínuo. Na verdade, é
feito de muitos avanços e recuos, da alternância entre períodos de
grande criatividade e períodos de trevas, momentos em que vence a
liberdade e outros nos quais tiranos e ditadores dão as cartas. A
história não é esse processo contínuo e inevitável rumo ao que
consideramos mais humano. Só com muita luta por justiça e dignidade
é que essas conquistas se realizam e são mantidas, pois nada é
para sempre.
Então,
ao invés de apenas esbravejar incrédulo contra algo que você não
crê ainda existir “em pleno século XXI”, procure conhecer as
causas e buscar soluções para esses problemas. Somente com este
tipo de atitude é que se cria a possibilidade de ao fim do século
XXI ou início do século XXII este lado negro da nossa existência –
como os preconceitos de todos os tipos, ou a fome – seja transformado
em algo mais humano. Senão, é possível que daqui a 100 anos ainda exista alguém dizendo sobre as mesmas coisas "em pleno século XXII!"...
Nossa, muito bom texto! Concordo muito com você, não é todo mundo que reconhece esse vai-e-vem na História, haha. Por outro lado, eu acho que não seria assim tão radicalmente contra o "em pleno século XXI". Porque é mesmo de se espantar que mesmo depois de tanto tempo de as teorias sobre a superioridade das raças ter caído por terra cientificamente falando as pessoas continuarem com esse pensamento. Mesmo com internet, que é capaz (ou deveria ser) de trazer mais conhecimento e informações às pessoas. Acho mesmo que a História é um vai-e-vem danado, mas gosto de acreditar que, em relação aos preconceitos, a gente dá um passo para trás, mas dois para frente. Devagar, mas em frente.
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