BEDA #6 - A coragem de ser


Tempos atrás li uma crônica deliciosa da Clarice Lispector intitulada “Se eu fosse eu”. Transcrevo abaixo um trecho e volto em seguida:

“Quando não sei onde guardei um papel importante e a procura se revela inútil, pergunto-me: se eu fosse eu e tivesse um papel importante para guardar, que lugar escolheria? Às vezes dá certo. Mas muitas vezes fico tão impressionada com a frase 'se eu fosse eu', que a procura do papel se torna secundária, e começo a pensar. Diria melhor, sentir.
E não me sinto bem. Experimente: se você fosse você, como seria e o que faria? Logo de início se sente um constrangimento: a mentira em que nos acomodamos acabou de ser movida do lugar onde se acomodara. No entanto já li biografias de pessoas que de repente passavam a ser elas mesmas e mudavam inteiramente de vida.” (Quem quiser ler na íntegra, pode aqui)

É uma provocação e tanto essa, não? De vez em quando me pego pensando, digo, sentindo como a Clarice. Se eu fosse eu... provavelmente seria um mochileiro e teria viajado o mundo inteiro. Teria dado asas à minha curiosidade a respeito de outras culturas, outras formas de ver o mundo, de conhecer gente nova, de preferência com muita história pra contar. O mundo tem tanto em riqueza na diferença, que me dá uma tristeza de pensar no quanto a cultura de massas vem uniformizando nossa forma de pensar e entender o mundo.

Por outro lado, se eu fosse eu como me via no início da adolescência, talvez fosse candidato a santo, como um São Francisco, ou ao menos um cristão mais aos moldes de Madre Teresa de Calcutá. Porque eu já até quis ser padre nessa época e, principalmente, tinha muito aqui dentro esse desejo de mudar o mundo, seguir radicalmente a mensagem contida nos Evangelhos. “Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo” era o meu norte, apesar de todas as dúvidas em relação à fé que foram surgindo. Faltou-me coragem, e um pouco mais de fé em Deus e em mim mesmo – não se pode fazer coisas grandiosas sem um mínimo de fé.

Se eu fosse eu como passei a me ver depois dos 20, já teria escrito uns 10 livros, entre poemas, crônicas e pensamentos. Quem sabe até um romance e um de contos. Isso se eu tivesse tido a coragem de escrever sem reservas, e com muito zelo pelas palavras, como deve ser um escritor. Quem sabe de agora em diante, ao menos isso eu ainda saiba ser?

Enfim, eu continuo vivo e ser eu sob esse prisma ainda está ao meu alcance, apesar de tudo. Vou continuar aqui pensando, ou melhor, sentindo quem poderei ser a partir de amanhã.

Até!

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