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Ressaca

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Era a alma dela escorrendo em sal por entre os dedos, como se o mar a sua frente quisesse nascer dos seus olhos nesse instante de dor. Sim, sua alma era também um mar de sentimentos que vinha em ondas, ora mansas, ora agitadas, outras vezes, como agora, se fazia ressaca, e seus frágeis diques se mostravam insuficientes para contê-las: então era esse transbordar em lágrimas e soluços, mar invadindo a orla, sentimento erodindo as suas bases e empurrando tudo ainda mais para dentro da cidadela... Mas depois de um tempo o mar sempre volta a se acalmar, a maré baixa, deixando para trás uma praia bela de areias brancas e a esperança de que tudo irá se manter assim, leve e límpido como um paraíso.

A desconhecida

Há uma luz que se define ambiguamente em teu olhar. Em meu voyeurismo exasperado, escondo-me atrás das colunas que sustentam minha fortaleza e vejo-te passar nos arredores onde há um bosque virgem, de beleza que não se espelha em minh’alma, e que é fonte das suas descobertas pueris. Às vezes, abandono a segurança dos meus altos muros e vou ao bosque sozinho colher frutos, tocar as árvores, escalar para ver os filhotes nos ninhos. Nada me comove tanto, nada faz brilhar meus olhos como os seus, nas suas explorações. Pensei se você não é apenas um meu delírio esquizofrênico, alguém que só eu posso ver, parte de mim que se desgarrou por falta de espaço para se desenvolver. Um fantasma, uma fada, um anjo... quem é você? Está sempre só, sempre feliz, sempre exibindo um fulgor incondicional, quase lua, quase primavera, quase flor e quase estrela... Como consegue? Eu que sou guerra, sou pedra, gelo e espada; que corro, olhar fixo nos objetivos, desviado de qualquer coi
Cultivo por entre as minhas loucuras algumas mudas de sanidade; nunca se sabe quando será preciso esconder a riqueza de saber-se filho do caos.

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"Toda alma é uma música que toca." Rubem Alves Hoje queria ser apenas voz, som, música. Ser improviso vão de um gênio qualquer que se vai lançando nos ouvidos e emocionando, comunicando, poesia musical, sem letra, apenas som, ininterrupto, contínuo, melodioso, harmônico, belo, melancólico, com trechos vibrantes e mesmo alegres, envolvendo a platéia que reagiria a cada nota conforme a tonalidade, chorando, sorrindo, surpresa diante de tão grandioso e ambicioso concerto. E assim ir me dando inteiro, fluido, até a última nota de uma partitura que vai sendo escrita à medida que tocada e cantada, sem ensaios, consertos e revisões. Até o dia em que a corda arrebente, o piano desafine, a voz se acabe e seja hora do silêncio final.

A insustentável leveza do ser

Sim, sim, esse é o nome do livro do Milan Kundera. Aliás, livro maravilhoso! Comecei a ler no fim-de-semana e não consigo largar. Veio a calhar com o meu momento. Providência divina? Destino? Sei não. Acho que as coisas estão sempre ligadas. Sempre com algum propósito misterioso. A vida tem um jeito estranho de nos levar pra onde ela quer. Aliás, vou já criar um post falando sobre isso, que é outro assunto. Vim aqui, agora, pra postar um texto meu que já postei no blog antigo, pois o texto do Kundera me lembrou muito ele. Aí vai: Um caminho Ele caminhava: mãos no bolso, cabelo ao vento, cheio de uma liberdade tão plena que chegava a oprimir (porque a liberdade pode ser tormenta para quem não a conquista com luta, suor e sangue). Caminhava, passos lentos, reflexivos como ele todo. Caminhava e era como se não estivesse ali, como se pisar o chão fosse uma opção, como se viver na Terra ou em outra galáxia fosse nada mais que uma opção, tal era a dimensão da liberdade que o aplacava. As pes

Foz

Nas minhas veias corre um amor que é como um rio caudaloso em correnteza que ainda não encontrou onde desembocar suas águas e vive por aí vencendo obstáculos a procura do mar imenso ou de outro rio que possa levar suas águas até ele. - Onde andará você, destino das minhas águas?

Trecho de um papo cabeça...

“(...) Tudo que eu fiz até hoje foi ter cuidado. Cuidado ao extremo. Não quero mais ter cuidado. Quero me arriscar, viver, encarar esse bicho estranho e desconhecido que é a vida. Quero chegar ao fim da vida e poder dizer: fiz o que pude! Se tiver dado certo, bem. Se não, o que terei perdido? Tudo o que eu quero agora é correr perigo. Perigo de estar realmente vivo. Então, eu terei cuidado, muito cuidado, de não passar pela vida sem ter vivido tudo o que desejo, sem ter tentado semear o meu sonho pelos campos, sem cair e levantar e descobrir aonde é que está errado e corrigir e seguir em frente com a cabeça erguida. Obrigado pela advertência, amigo. E pode deixar que eu vou tomar muito cuidado.”

Vidamar

Diante do mar da vida, prostro-me e delicio-me com o som de suas ondas namorando a praia. A maré, que até pouco era baixa, subiu, subiu e quase me cobre nas ondas maiores. Imperceptível até antes de eu engolir um pouco da sua água salgada, perdido no meio de um turbilhão de águas que me arrastou até a praia. Mas agora, essa vida-mar que me jogava pra fora, passou a me puxar pelas pernas para dentro dela, igualmente imperceptível no início, de modo que quando percebi estava longe, no meio da vida, me afogando no mar, tanta vida me inundando os pulmões, tão salgada a vida, tão ávida de meu corpo, tão lenta minha alma desvanecendo e, no entanto, sinto-a plena, absoluta, como se fosse preciso naufragar, tocar as profundezas para senti-la assim. E de tanto sentir, na vida, enfim, me dissolvo, torno-me mar, e vou pelos séculos, brincar com as praias e pedras de maré e ressaca.