Sentir demais ou de menos

Estou ansioso e já não sei o porquê. Antes, quando pouco sabia e não tinha ciência do tamanho da minha ignorância, apenas achava que essa angústia era por sentir demais, sensibilidade de artista que capta tudo como antena, trazendo para si todas as dores do mundo.

Lembro-me de ter escrito muitas coisas na tentativa de exorcizar meus demônios interiores, textos que infelizmente acabei perdendo, mas algumas frases dessa época ainda ecoam na minha mente, entre estas uma que falava exatamente desse excesso de sentimento que me faria morrer um dia do coração. Cheguei a imaginar tão vivamente que tive a sensação nítida das batidas do meu coração se tornando pouco a pouco mais fortes, mais fortes, e mais ainda até chegar ao ponto em que ele não suportou mais e explodiu.

- Morreu de que?

- O coração explodiu! Morreu de tanto sentir...

Seria uma hipótese descabida? Não sei. Mas, de certa forma, me embevecia a possibilidade de uma morte poética, ainda que acompanhada de sofrimento.

Ocorre que em um dado momento esse excesso de sentir se tornou insuportável, mas não me explodiu e foi menos poético que imaginava; fui parar no consultório do cardiologista, que me encaminhou ao psicólogo e psiquiatra, onde minha agonia ganhou nome: síndrome do pânico, transtorno de ansiedade. Vieram as sessões de terapia, os remédios controlados, e aquele aperto no peito foi se aplacando, levando também a minha veia poética, aparentemente.

Desde então parece que vivo num mundo que desencantado e essa sensação se intensifica cada vez que descubro mais dele, seja pelos estudos, seja pela experiência. As pessoas não são boas, nem coerentes, nem éticas. O sistema sócio-político-econômico não nos favorece. Agora temos uma pandemia, uma crise econômica e uma ameaça de apocalipse ambiental sobre nossas cabeças. Como achar espaço no meio de tudo isso para os sentimentos e a poesia?

E, no entanto, há que se achar. Sentimento e poesia são o tempero da vida, sem os quais nos tornamos apenas autômatos, preenchendo os dias com prazeres ou obrigações vãs. Não que eles necessariamente tornem nossos dias encantados; tem poesia que dói - e frequentemente essas são as melhores. A psicologia ensina, também, que é um engano achar que se pode esconder os sentimentos e as emoções para evitar o sofrimento; eles permanecem ali e procuram sempre uma forma de extravasar.

Então o ideal seria achar o ponto ótimo que ficaria entre sentir demais e esconder sentimentos. Qual seria? Dizem que seria a tal inteligência emocional. Não estudei o assunto ainda, mas parecer fazer sentido vivenciar as emoções de uma forma inteligente. Casa com a máxima filosófica “conhece a ti mesmo”: conhecer-se muito mais por compreender as próprias emoções e sentimentos, do que por uma autoimagem resultado de uma formulação racional. Conhecer-se para reconhecer os próprios limites, saber o que o coração aguenta e o que o força além do suportável. Está fazendo sentido?

Fazendo sentido ou não, é esse o caminho que eu estou fazendo agora, o de tentar reconhecer-me e reconciliar-me com meus sentimentos, e assim fazer as pazes comigo mesmo. O caminho parece ser longo, mas é passo a passo que se chega ao destino.


Comentários

  1. Meu amigo, que texto! Me abraçou forte que sufoquei! Inspirei fundo um verso poético e expirei um abraço pra chegar aí em Manaus. Sentiu?

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    1. Que abraço gostoso e poético, minha amiga! Senti sim! Obrigado por estar sempre por aqui 🤗

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  2. Que texto filho! Parece até que está traduzindo o que sinto! Um beijo no coração.

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  3. Que texto! Me identifico. Estou até tentada a estudar um pouco mais sobre inteligência emocional. Já começou a ler algo por aí? E boa jornada de reconhecimento. Estou nessa também! Abs

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    1. Que bom que gostou, Jeniffer! Sobre inteligência emocional, utilizei mais de forma genérica mesmo, não como categoria do conhecimento. Sobre psicologia e os sentimentos, li há muito tempo Por que tenho medo de lhe dizer quem sou, do John Powell, do qual gosto muito. Não sei quanto tem de científico nele, mas me agrada a abordagem rs. Comecei recentemente a leitura do livro Curar o stress, a ansiedade e a depressão sem medicamento nem psicanálise, do David Servan-Schreiber, por indicação da minha terapeuta, mas ainda li muito pouco pra formar opinião. Quem sabe ao fim da leitura não possa fazer uma resenha? Veremos rs
      Abs

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