Criar, Criar, Criar


 

Você tem alguma noção de quanta informação você consome todos os dias? Nem eu. Você acorda e já tem notificações te esperando, ávidas pela sua atenção. Uma pessoa querida te enviou um meme no direct ou te marcou em um comentário de um post que achou a sua cara no Instagram. Daí você aproveitou pra passar a vista pelos comentários e lá alguém marcou um perfil interessante. Você dá uma xeretada no perfil e viu que ele postou um texto maravilhoso sobre um assunto que você precisava ler exatamente nesse dia - você segue o perfil e provavelmente já terá mais um conteúdo que tentará não perder ao longo da semana. De repente, chega uma notificação no whatsapp, entre outras mensagens, tem um link para uma notícia importante do dia. No corpo da notícia, você vê links para outras notícias que gostaria de ler, mas não tem mais tempo, está de saída para o trabalho ou algum compromisso. E isso foi só o início do dia!

Nessa rede mundial de computadores, você é o peixe e todos estão tentando te pescar. É fácil, no meio disso tudo, se perder em inúmeras distrações, consumir os memes, vídeos engraçados, as notícias, fofocas, as palavras de outras pessoas e esquecer de cultivar o próprio pensamento, as próprias palavras. Parece que tem sempre alguém falando tão melhor sobre o que queremos dizer, não é? Parece tão fácil só pesquisar sobre algo no google, uma hashtag nas redes sociais, um vídeo no youtube e já tenho a reflexão que precisava fazer, ou aquilo que gostaria de dizer a alguém. Tão mais fácil compartilhar ou consumir conteúdo, não é? 

Pode ser mais fácil sim, mas nunca terá o mesmo valor. Por um lado, nem para você, já que as ideias de outras pessoas quando consumidas, especialmente considerando a rapidez com a qual costumamos passar de um assunto a outro nas redes sociais, não se integram automaticamente na nossa mente, nem ganham tanto significado assim. Por outro lado, nem para quem você ama quando apenas compartilha, por mais que as pessoas tenham alguma satisfação fugaz ao receber um meme ou uma mensagem fofa compartilhada. O valor gerado por algo escrito por você, e portanto nascido das experiências que vocês tiveram juntos e do sentimento nascido delas, com certeza vai suscitar uma sensação de ser importante e amado muito maior do que se tem quando se recebe uma mensagem pronta. Como dizia Exupéry, o autor do Pequeno Príncipe, o essencial é invisível aos olhos, o que dá valor ao que fazemos por alguém (inclusive por si mesmo) é o tempo que dedicamos ou o quanto de vida investimos nesse fazer. 

Tudo isso pra dizer que é importante tirar um tempo do seu dia, ou da sua semana, para si e para quem ama. Para refletir e escrever sobre seus pensamentos, suas metas, seus objetivos e seu propósito de vida. Tenho feito esse movimento aqui, depois de um tempo ligado no modo “deixa a vida me levar, vida leva eu.” No meu caso, estava oscilando entre a exaustão do trabalho e a busca de alívio nas redes sociais. Na verdade, mais do que alívio: estava consumindo notícias, usando como fonte de conhecimento sobre diversos assuntos; por exemplo, se queria aprender mais sobre a pauta racial, passava a seguir perfis de militantes do movimento negro. Quando me interessei pela causa dos povos indígenas, segui perfis de militantes também. Assim também com perfis LGBTQIAPN+, ou que tratam sobre parentalidade, sem esquecer os literários, os ligados a artes, música, cinema… Vale lembrar que isso não se limita a uma rede social, o padrão se repete em várias: twitter (atual X), Facebook (sim, sou um senhor idoso), Instagram, TikTok, YouTube, Pinterest e por último as newsletter do Substack.

Chegou a um momento em que, além de estar sobrecarregado no trabalho, estava praticamente com a Síndrome de FOMO (sigla para “fear of missing out”), ou sensação de estar perdendo algo, o que me fazia ficar online pulando de uma rede a outra entre notícias, posts de militantes, vídeos de gatinho e memes com medo de ficar de fora dos assuntos do momento e isso me afastou das pessoas próximas a mim. Minha esposa e minha filha passaram a reclamar, e encontros pessoais com pessoas fora de casa passaram a ser cada vez mais raros.

Desde que em 2021 tive uma crise de Burnout, passei - muito mais lentamente do que gostaria - a tentar fazer o caminho inverso, de fugir das redes e procurar viver no tempo presente, com propósito de vida. Desde lá venho tentando voltar a escrever, algo que me salvou por tanto tempo desde a adolescência. Se ainda não ficou claro, os primeiros parágrafos falam da minha experiência pessoal, de me afogar na avalanche de informação internética. Sim, às vezes pensava: mas com tanta gente boa escrevendo tão bem, com tanta propriedade, conhecimento e/ou poesia, faz sentido mesmo eu ser mais um, se nem me considero dos melhores?

A verdade é que tem mesmo muita informação por aí, mas pode ser que no meio de tanta coisa tenha gente que precisa ler (ouvir, assistir) o que temos a dizer exatamente do nosso jeito único de nos expressarmos. Pode ser que não alcancemos o grande público, mas precisamos mesmo dele? Dia desses a Aline Valek estava falando sobre a neurose com números que atinge as pessoas criativas, essa necessidade de se comparar com os números alheios ou com os próprios números numa ânsia de crescimento eterno. Lendo o texto dela, lembrei de um coach de carreira musical (sim, além de escritor, também sou um músico frustrado, mas essa é outra história), o Jacques Figueira, lembrando que tem espaço pra todo mundo com a internet. Você consegue achar seu nicho e não precisa se preocupar com quem não é seu público. Precisa apenas agradar o seu público e fazer o que precisa para que ele queira continuar seguindo, sejam eles milhões, milhares ou centenas. E no meio disso tudo, para o artista, fazer o que faz sentido vale muito mais do que ser um best seller - na verdade, o sucesso em geral só vem se o artista faz aquilo que ama fazer, independente de quem esteja agradando. 

Então é isso, meu povo, vamos criar! Para si, para quem ama, para um nicho pequeno, para o grande público, o importante é manter a chama da criatividade acesa, porque nossa humanidade anseia por isso. Assim, em vez de sentir que está perdendo algo, estaremos dando algo ao mundo, e isso sim tem muito valor.


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